Questões de português e de comunicação

terça-feira, junho 05, 2007

O uso do "você"

O uso do "você" em Portugal é muito ingrato. Ultimamente tem sido inclusive difícil convencer os nossos alunos de que devem ter cuidado com o emprego do "você". Chega a haver até conflitos entre alunos que insistem em tratar as suas professoras por "você" e não compreendem quando essa forma de tratamento é rejeitada. Será que a língua já adoptou o você e nós professores ainda não sabemos? O caso é que se existe diferença entre o "você" implícito e o "você" explícito, o primeiro está no âmbito do "dobrar" a língua quando se fala com alguém tido por nosso superior. Assim, sempre tratei os meus alunos por "você" implícito, mas no plural nunca tive pruridos em empregar o "vocês" explícito. Nos testes escritos, ao contrário de quase todos os meus colegas, usei sempre o "tu". Justifico com a necessidade de desfazer ambiguidades possíveis na 3ª pessoa e com o facto de, na realidade, não me estar a dirigir a ninguém, senão a um aluno abstracto. Aluno abstracto trato por tu, aluno concreto até já tratei por "senhor", o que me trouxe rejeicões sobretudo no 7º Unificado... Ora, estas questões de emprego alocutivo , de interpelação do nosso interlocutor, no português de Portugal são muito complicadas. Sinto falta dum pronome de forma plena como o "você". Este recurso a formas delocutivas para disfarçar interpelações que podem eventualmente ser mal recebidas, o hábito de tornar o "você" implícito é gerador de ambiguidades. Por exemplo, a frase "Quando vierem novamente cá a casa, mostrar-lhes-ei a minha estufa de plantas exóticas” pode ser compreendida como "Quando (eles) vierem novamente cá a casa, mostrar-lhes-ei ( a eles) a minha estufa de plantas exóticas" como pode ser compreendida como "Quando (vocês) vierem novamente cá a casa, mostrar-lhes-ei (a vocês) a minha estufa de plantas exóticas". A frase numa compreensão delocutiva confunde-se com a mesma frase numa interpretação alocutiva. Os próprios interpelados podem ficar hesitantes quanto à interpretação da frase. Por isso, vejo muitos falantes usarem um sistema híbrido: "Quando (vocês) vierem novamente cá a casa, mostrar-vos-ei ( a vocês) a minha estufa de plantas exóticas". Também , ao falar com os alunos não digo :"Abram os seus livros na página X", mas sim "Abram os vossos livros na página X".

Publicado por: Gaspar Solipa em março 28, 2007 12:34 PM

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